11 de dezembro de 2011

O papel do vestibular na divisão de classes por Amanda Benedetti*

Ao ver as fotos relacionadas à notícia publicada no site do Terra, “Fuvest: estudantes da USP protestam contra 'prova para elite'”, percebemos que estamos em local privilegiado: brancos, cabelos lisos, olhos caros, bem vestidos. Esses eram os candidatos à vaga na Universidade de São Paulo. Os dados descritos na notícia informam que “Do total de 146.885 candidatos inscritos para o vestibular Fuvest 2012, 33,4% estudaram todo o ensino médio em escolas públicas. Menos de 5% estudaram tanto na rede pública como na privada, e 61,1% cursaram todo o ensino médico em escolas privadas.” Infelizmente, sabemos que pouquíssimos dos alunos de escola pública, passarão no vestibular. E sabemos que cerca de 90% das escolas brasileiras, são públicas...

O protesto que estudantes da USP faziam durante a entrada dos futuros “uspianos” é totalmente compreensível, se entendemos como o vestibular acaba mesmo por ser um filtro, que seleciona não os “melhores”, os “mais capazes”, pelo contrário, os que nunca tiveram nem obstáculos para estudar. O vestibular privilegia quem nunca passou fome, quem sempre teve caderno para levar à escola, quem nunca teve familiares presentes nas estatísticas de morte pela polícia. Privilegia quem sempre teve dinheiro para ir aos melhores teatros, aos cinemas... E quem sempre teve dinheiro, inclusive para pagar uma universidade privada à seus filhos.

Sob o ângulo do pensamento pedagógico crítico, o vestibular é realmente inaceitável. Ele é um dos aparatos essenciais para que continuemos numa sociedade de classes, onde os dominantes estão nas universidades públicas (públicas, nunca populares) enquanto os poucos jovens de classe baixa que conseguem cursar o ensino superior são colocados nas “uniesquinas”. Esses são os que podem usar seu salário para pagar as mensalidades do curso, enquanto são explorados pelos pais dos futuros patrões, que, no momento, estão estudando nas universidades públicas.

Para os pedagogos críticos Baudelot e Establet, tudo vai além dos muros da escola, e deve ser explicado através da divisão capitalista do trabalho. Se temos o vestibular, que seleciona quem vai pra universidade e quem fica, não é por não ter outra opção, sim porque é conveniente. A escola capitalista contribui para reproduzir e aprofundar a polarização das qualificações. Em uma extremidade, ela forma quem vai pras universidades, e na outra, as massas que vão vender-se por um salário irrisório. Acreditar que o papel da escola é desenvolver aptidões, educar os indivíduos... É um sonho.

A notícia reflete um momento importante na USP, no Brasil e em todo mundo: A luta por uma educação pública, gratuita, de qualidade e, sobretudo no caso da universidade citada, a luta pela democratização das universidades públicas. Desde o dia 8, estudantes da USP estão em greve. A decisão ocorreu devido à prisão de 73 alunos e funcionários que se manifestavam politicamente ocupando a reitoria, e assim, reivindicando o fim do convenio que permite o que era proibido desde o fim da ditadura: a entrada da Polícia Militar no campus. Os alunos em greve acreditam que certa segurança só será possível com a democratização da universidade.

De fato, não há como garantir segurança através da força policial, se, desde o começo da vida, o Estado não garante alimentação, moradia, saneamento básico e educação. Felizmente (ou infelizmente), nem todas as pessoas que não tem as mínimas condições de vida partem para o crime. A maioria delas é somente criminalizada pela policia/sociedade e escravizada pelos patrões. É preciso que se mantenha o lucro das grandes empresas, o que só acontece se houver trabalhadores que recebem somente o necessário para continuarem trabalhando. Educação? A educação no capitalismo é somente a afirmação deste modo de produção e de sua divisão de classes. Não interessa que todos tenham educação de qualidade.

Segundo o pedagogo crítico Henry Giroux, por mais dífícil que pareça a situação, esse ciclo de dominação não pode ser visto como inquebrável. Para Carnoy, por exemplo, os responsáveis à por fim ao papel dominador da escola são, sem dúvida, os movimentos sociais, cujo papel é pressionar para que haja mudanças.

No Brasil, o movimento que mais tem se posicionado na luta pela educação é o estudantil (além dos movimentos que admitem que a luta por terra ou moradia, por exemplo, não pode ser dissociada da luta pela educação), e, infelizmente, a grande mídia tem se encarregado de deturpar suas mobilizações, fazendo análises simplistas e até mesmo oportunistas em relação à seus atos. O que é de se esperar, visto que ela somente cumpre seu papel de classe (no caso, dominante), escondida por trás da máscara da “neutralidade”.

Por fim, o movimento estudantil prova que Giroux está certo quando diz que, ao mesmo tempo que um local de dominação, as escolas e principalmente as universidades, são locais de resitência, luta. E infelizmente, segundo o mesmo autor, “Ser comprometido com uma transformação radical da sociedade existente em todas as suas manifestações sempre coloca o indivíduo ou o grupo na posição de perder um emprego, a segurança, e, em alguns casos, os amigos”. O que até o momento, não tem impedido nenhum estudante e nenhum movimento social do mundo, de resistir e lutar.

*RA 420930

Fuvest: estudantes da USP protestam contra 'prova para elite'
Por Filipe Gonçalves

Entre os pais e candidatos que aguardavam a abertura dos portões para o início do vestibular da Fuvest na tarde deste domingo, circulavam alguns estudantes da Universidade de São Paulo (USP) distribuindo jornais de protesto contra a direção da instituição. Os jovens criticavam o "vestibular para elite" que, segundo eles, privilegia estudantes de escolas privadas.

Alguns dos alunos que faziam o protesto eram estrangeiros, como o mexicano Ernesto, 23 anos, que estuda Geografia na USP. Enquanto entregava o jornal, ele disse ao Terra que o vestibular da USP não é democrático, pois seleciona "estudantes da elite". "Eles (os vestibulandos) têm que conhecer o que acontece na USP. Parte da nossa luta é contra o vestibular, que é um filtro socioeconômico. Só pode permanecer que tem grana, a educação vira mercadoria. No México, a seleção é por mérito acadêmico", afirmou o estudante, que não quis divulgar o sobrenome por medo de represálias.

A prova da primeira fase da Fuvest, que seleciona candidatos para a USP e para a Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo teve início às 13h e previsão de encerramento para as 18h. Neste domingo, os estudantes devem responder a 90 questões objetivas de português, história, geografia, matemática, química, física, biologia e inglês. O candidato somente poderá retirar-se da sala a partir das 16h.

A divulgação dos candidatos aprovados para a segunda etapa será feita no dia 19 de dezembro. As três provas analítico-expositivas vão acontecer de 8 a 10 de janeiro de 2012.

Inscritos
Do total de 146.885 candidatos inscritos para o vestibular Fuvest 2012, 33,4% estudaram todo o ensino médio em escolas públicas. Menos de 5% estudaram tanto na rede pública como na privada, e 61,1% cursaram todo o ensino médico em escolas privadas.

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